Há dias na vida de adulto em que nos sentimos como crianças abandonadas. É como se nos tivéssemos perdido da mão da mãe ou do pai num mar de gente e não soubéssemos bem o que fazer para os encontrar.
Hoje sinto-me assim, com falta de uma direcção, de um guia que me ajude a tomar as decisões certas.
Há mais ou menos 12 anos tive uma altura semelhante na vida, estava a meio do segundo ano de mestrado e por atrasos diversos da universidade só a começar a tese de mestrado, habituada a ter sucesso, sentia-me a falhar na vida e que todas as minhas escolhas até aí tinham sido erradas. Estava presa no mestrado errado, na relação errada, no amor errado, presa numa vida em que sentia não ser a que queria viver.
Comecei a ter algumas fobias, passava os dias a comer, chorar, dormitar durante o dia, acordada à noite. Vestia-me para sair de casa e chegada à rua não conseguia sair da porta do prédio. Completamente bem vestida e maquilhada voltava para cima retirava tudo e continuava fechada. Isto durou mais ou menos dois meses.
Um dia, no final destes dois meses, o meu pai foi-me buscar e levar-me de Lisboa para a terra para eu recuperar. Eu e o meu pai não éramos pessoas de conversas muito profundas. Tínhamos uma relação mais de cão gato, e em geral ele em casa era mais o género de pessoa de ouvir as conversas entre nós as mulheres sorrindo sem participar muito. Ainda assim nesse dia, só nós a caminho da terra, eu a sentir-me na vida como se me afundasse em areias movediças, ele disse-me:
Pai- Sabes não há mal nenhum em desistir, em falhar, em mudar de direcção. Eu tinha tudo planeado, ir estudar desporto depois tive o acidente e acabei por ir estudar outra coisa e sou feliz. Gosto mesmo muito Se não te sentes bem onde estás muda. Começa outra coisa.
Não me lembro do que respondi, mas este saber que podia falhar foi a coisa mais libertadora da minha vida. Na altura decidi desistir do mestrado e ir começar a licenciatura de Engenharia física em Coimbra. Continuei a tese mais por hobbie, mas a achar que quando começasse o ano a ia abandonar. A minha Mãe levou-me ao médico de família, ele receitou-me medicação para dormir, que nunca cheguei a tomar. Comecei a dizer às pessoas que ia abandonar o mestrado, porque assim pensava. Fui aceite em Engenharia física, onde por equivalências tinha um ano feito e passados uns meses fui chamada para a escola e acabei por me voltar a focar no mestrado e a acabá-lo já a trabalhar.
Mas acho que tudo se curou em mim com esta conversa, com o tempo que tive a seguir em família com os novos planos que fiz na minha cabeça e nunca cheguei mesmo a viver. Acho que foi a segunda vez que o meu Pai me salvou a vida.
Neste momento não o tenho para me vir buscar e resolver tudo. Acho que é isto que perdemos com a perda dos Pais, uma parte do nosso mundo morre com eles a parte que nos suporta. É este sentimento de desamparo que estou a ter muita dificuldade em superar.
Sinto que outra pessoa raivosa ocupou o meu corpo, sinto-me profundamente irritada com os mais próximos sem razão, grito com a minha mãe sem querer. Algo muito negro está a ocupar a pessoa relaxada, feliz e amorosa que costumo ser.
Não esperava que tanta pessoa lê-se e comentasse o meu post anterior, nem procuro piedade. Escrevo porque escrever me ajuda. Para mim é natural. É como se tivesse conversas comigo e com os ensinamentos das pessoas que fazem e fizeram parte da minha vida e ficaram. Escrevo um diário mais privado, mas escrever de forma pública ajuda-me a esforçar-me mais por ser consistente, é mais fácil mantermo-nos no trilho quando dizemos a toda a gente do que quando só nos prometemos a nós. Por isso escrevo para o público.
Eu não quero desistir do que estou a fazer, mas preciso duma mudança. De subir do fundo do poço a pouco e pouco. E talvez chorar ajude de facto, como se com o caudal das lágrimas o poço fosse enchendo e nos ajudasse a subir. Há sofrimentos que temos de viver bem vividos para ultrapassar. Estou nessa fase, mas ainda acredito num amanhã melhor..
P.s. A foto é do primeiro dia em que conduzi a autocaravana, o meu Pai ensinou-me. Foi nas férias de verão de 2017, conduzi um pouco por toda a Europa. Este ano fui eu que a levei quando fui uns dias de férias com a minha Mãe. Talvez como no resto na vida, seja aplicar as ferramentas que me deixou.
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