Eu discordo inteiramente, acho é que há dois tipos de mudança que se operam em nós.
O primeiro tipo é aquele em que cabem as mudanças pequeninas que se operam cada dia e que ao fim de algum tempo acabam por se tornar numa mudança maior, são as mudanças que quase não vemos. Daí a 10 ou 20 anos percebemos que tudo aquilo que eram verdades absolutas já o não são, que as coisas que eram o centro da nossa vida mudaram e que a pouco e pouco outras que não tinham essa importância, agora têm.
O segundo tipo de mudança que se opera em nós é o das grandes mudanças, e estas por norma ocorrem com um acontecimento importante. Acontecem em consequência de grandes eventos, grandes mudanças, rupturas, perdas, ganhos importantes. Acontecem quando nos apaixonamos, quando mudamos de cidade, quando fazemos um curso, quando mudamos de grupo, quando terminamos com alguém, quando alguém querido nos morre...
Nos últimos tempos devido à morte tão inesperada do meu Pai, tenho pensado muito nisto, tenho visto as mudanças nas pessoas que me rodeiam e são mais queridas. Tenho visto as lutas que temos para nos reajustarmos a esta transformação e a forma como nos mudou como pessoas.
Eu sempre fui muito religiosa mas isto afastou-me um pouco de Deus, se por um lado ainda acredito por outro sinto-me frustrada. Tornei-me mais medrosa e ansiosa. Acho sempre que algum momento pode ser o último, mas ao contrário do conhecido Carpe Diem e o #YOLO, é um fardo não uma sorte ver o mundo assim.
Culpo-me ainda pelo facto de o meu Pai ter morrido na vinda de me ter ajudado. Eu não podia adivinhar e embora saiba isto racionalmente emocionalmente é algo que tem sido muito difícil de gerir.
Tudo isto me mudou, transformou-me em alguém mais pessimista, mais triste, mais revoltada. Transformou-me também em alguém mais forte e resiliente. Só através do sofrimento mais profundo encontramos a nossa verdadeira força e sabemos os nossos limites.
Isto é muito verdade para mim particularmente este último ano, em que além desta grande perda sofri outras mudanças e perdas...
Saí do sitio onde trabalhei por 10 anos (e adorava apesar das queixas continuas de excesso de trabalho), mudei de país, afastei-me da família, do loiro, da minha casa, tenho enfrentado dificuldades com a tese em processos de autorizações, burocracias, mudanças de orientadores, a orientação dum casamento à distância com toneladas de documentos, lutas de família neste processo de reajuste, problemas com o loiro por estarmos nós os dois desequilibrados internamente... porcarias atrás de porcarias.
No meio disto tudo o facto de saber que o meu Pai queria que eu prosseguisse com os meus objectivos é o que me tem dado força de prosseguir sem ter ainda desistido de nada. Acho que ele sempre acreditou em mim mais do que eu mesma. Eu sempre me senti fraca, frágil. E só agora com estas perdas todas me dei conta que o não sou.
O Loiro tinha me dito que depois de perder o Pai se sentia mais desamparado no mundo. Eu não o entendi, achei que tinha entendido mas na realidade não!
Mas agora sinto-o também. A tragédia traz-nos esta força que nos ensina capazes de ultrapassar grandes dificuldades, mas a tragédia da perda de alguém tão crucial na nossa estrutura traz-nos a certeza de que nada é eterno, de que nada é certo e uma insegurança no mundo e no futuro que nos acompanha para sempre. Um sentimento de desamparo que se entranha em nós, nos ocupa e se faz eu.
A dor transforma-nos.